por Gisela Zincone
Esse ano uma das melhores coisas é que fez sol todos os dias. Geralmente chove muito, mas os dias estavam frios e ensolarados. Dias bonitos. As pessoas aproveitaram bastante a praia, algumas passearam de barco. Eu mesma fui à praia em Trindade. Pra mim, parte da FLIP é isso: além do estímulo intelectual, ter também o estímulo da natureza. Além da arquitetura da cidade, o entorno é muito lindo. O mar, as montanhas.
Outra coisa bacana foi que a Travessa, uma livraria aqui do Rio que a gente gosta, estava lá pelo primeiro ano. Antes era a Livraria da Vila, de São Paulo, que é boa também. Mas como a Travessa é do Rio, a gente gosta de estimular o pessoal daqui.
É sempre bom ir à FLIP, você encontra muita gente. A FLIP ficou de um tamanho X. O que tem mais agora são os eventos paralelos. O lugar onde acontece a FLIP é muito pequeno e os ingressos se esgotam muito rápido, às vezes você não consegue garantir. Com os eventos paralelos, se você não conseguir ir à tenda principal, com certeza verá outras coisas de grande qualidade.
O que não achei tão bom foi porque tivemos uma FLIP politizada esse ano, devido a todos esses movimentos nas ruas. A discussão que a gente lê diariamente no jornal e na televisão sobre as passeatas se transferiu para lá também. Era inevitável, afinal, é o assunto do momento. Mas eu, particularmente, gosto de ir à FLIP pra descobrir novos mundos, ouvir novos autores, novas ideias. Falar de outros países e seus problemas. O Brasil é um país virado para si próprio. A gente não sabe de nada que acontece em lugar nenhum. Estamos de costas para a América Latina. Claro que ouvimos um pouco de lá e de cá, mas geralmente só falamos de nós mesmos. Ainda mais nesse momento, em que todos os olhares estão virados pra cá: é Copa, é Olimpíadas. Então eu fico exausta de Brasil (risos).
André Lara Resende, um economista de grande projeção, inteligência brilhante, amigo de Toni, meu marido, foi convidado de última hora pra falar sobre a situação política do país. Ele e Marlos Nobre, da UNICAMP. Falaram sobre a política econômica da Dilma. As reclamações são extensas porque ninguém se sente representado pelo congresso, ninguém se identifica com aqueles políticos. Vivemos em um sistema de representatividade falido, em uma democracia caída. Há um mal estar. O André Lara Resende fez boas colocações sobre o aumento na renda do brasileiro. Houve de fato uma grande inserção, uma massa saiu da pobreza e ascendeu. Entretanto, mesmo que o Brasil tenha melhorado, os serviços continuam péssimos. Perde-se muito tempo no trânsito, os ônibus não funcionam, quase não há tempo pra ficar com a sua família. Há uma sensação de insatisfação nas pessoas porque não é só ascensão social, a qualidade dos serviços públicos também precisa ascender em proporção.
Essa também foi uma FLIP quase sem estrelas, o que não ocorria no passado, pois sempre vinha um prêmio Nobel. Gente de altíssimo calibre, como Eric Hobsbawm, Toni Morrison, Salman Rushsdie, J. M. Coetzee, enfim, autores de grande envergadura. Este ano a maior estrela, Houellebecq, cancelou na última hora. Em 2004 foi o José Eduardo Agualusa, em outro ano foi o Valter Hugo Mãe. Mas eu sempre acho bom. Sempre volto inspirada à editora. Esse ano teve a iraniana Lila Azam Zanganeh, que escreveu um livro sobre o Vladimir Nabokov. "O encantador: Nabokov e a felicidade" - esse título foi best-seller na Livraria da Travessa, vendeu 950 livros, o que é muita coisa pra um evento. Ela realmente deve ser uma inteligência fora do normal. Com 23 anos já era poliglota e já está dando aula de Literatura em Harvard. Ouvi dizer que ela aprendeu português antes de vir ao Brasil e que palestrou em português na FLIP. Um fenômeno: linda, jovem e genial e carismática. Infelizmente não consegui vê-la.
A primeira mesa a qual assisti e gostei muito foi a do arquiteto português Eduardo Souto de Mouta com o crítico norte-americano Paul Goldberger. O arquiteto, muito inspirado, falou de muita coisa, de psicanálise até a indentidade das comunidades, fugindo da literatura, mas sempre muito interessante.
Gostei também da mesa do americano Tobias Wolff com mexicano residente no Brasil Juan Pablo Villalobos. Tobias falou sobre o processo de criação do escritor, sobre como os escritores sempre enfiam nos seus livros as pessoas que ele(a) conhece, já que a matéria-prima pra realizar esse trabalho é a própria vida do escritor. Os dois confessaram mentiras e falaram sobre como episódios de suas vidas podem resultar em literatura. Wolff confessou que o primeiro personagem que criou foi uma versão melhorada de si próprio – só que “bom atleta e mais inteligente”. As pessoas podem se identificar ou não, mas é sempre essa questão: a criação de personagens baseados em pessoas conhecidas e como articular isso. Afinal, sempre tem o ex-marido ou a ex-mulher que vai ficar com raiva. Tem um filme do Woody Allen, Desconstruindo Harry (1979), que fala muito bem sobre isso. O mexicano, por exemplo, é de uma cidade pequena que tem um nome grego. Então todos os personagens de suas criações tem nomes gregos, de deuses, etc.
Esse tipo de discussão de autor pra mim é muito interessante, saber como se desenvolve a escrita, a pesquisa, o fluxo de pensamento. Essa foi a mesa que eu mais gostei.
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